
Especializada em sistemas de gestão e governança, a empresa paulista Eicon está auxiliando centenas de prefeituras pelo Brasil a economizar e melhorar a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.
Por Agostinho Turbian, publisher de AméricaEconomia, de São Paulo
A Eicon Tecnologia é uma empresa que nasceu com DNA para o setor público. Com sede em São Paulo e com mais de 600 colaboradores, a companhia é focada no desenvolvimento de sistemas de gestão e governança para acompanhamento, padronização e fiscalização de serviços públicos.
Luiz Alberto Rodrigues, fundador e CEO, começou sua carreira na área pública ainda aos 14 anos, e desde sempre demonstrou seu inconformismo com o que chama de “ineficiência crônica” das administrações. Visionário, ainda na década de 1980 percebeu que, para mudar o paradigma da administração pública, precisaria trocar o balcão do serviço público pelo empreendedorismo. Nesta entrevista exclusiva, Luiz Alberto compartilha um pouco da sua visão sobre seu ideal de gestão pública e os desafios para alcançá-lo.
AméricaEconomia – Como está o processo de informatização da gestão pública no Brasil?
Luiz Alberto Rodrigues – O uso de ferramentas colaborativas na gestão de problemas das cidades é uma forma de aumentar a participação da sociedade na administração pública. No entanto, no processo de ampliar as ferramentas da tecnologia da informação e comunicação, o Brasil fortaleceu os serviços tributários (nos níveis federal, estadual e municipal), tais como a nota fiscal eletrônica, o programa de ajuste anual do Imposto de Renda Pessoa Física, o pagamento e a licença dos veículos, entre outras facilidades. Na maior parte das vezes o objetivo dessa modernização é aumentar a arrecadação de tributos. Os administradores estão muito mais focados na melhoria de controles para elevação das receitas do que em facilitar o acesso do cidadão e das empresas aos serviços disponíveis em cada governo.
O mais recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 2016, apresentou um ranking dos 193 estados-membros que adotam as boas práticas de governança eletrônica em suas políticas de governo, com base em indicadores elaborados pela própria entidade. O Brasil ocupa a 51ª posição do ranking mundial, que é liderado pelo Reino Unido, seguido por Austrália, Coreia do Sul, Singapura e Finlândia. País sul-americano mais bem colocado, o Uruguai aparece na 34ª posição.
AE – Como a tecnologia pode melhorar a gestão dos serviços públicos?
LA – Primeiro, é necessário explicarmos o conceito de tecnologia. Muito se fala em modernização da gestão pública, mas é importante deixar claro que modernizar é diferente de automatizar. Um exemplo: automatizar é ir ao posto de saúde e instalar um ponto de frequência por biometria. O funcionário vai lá e registra sua impressão digital, mas não há nada que garanta a prestação do serviço. Modernizar é construir, apoiado em diversos fatores, uma mudança de paradigma da sociedade. A tecnologia, por si só, não faz nada sozinha. É necessário um trabalho de inteligência por trás, e é isso o que a modernização faz. Usando o mesmo exemplo, modernizar é ter um acompanhamento em tempo real de todo o processo, criar padrões de tarefas que possam ser monitoradas e fiscalizar sua efetividade. Já há sistemas inteligentes de gestão disponíveis para fazer tudo isso e muito mais. Ou seja, não é a tecnologia que vai fazer a diferença na gestão pública, mas o uso que se faz dela.
AE – O que a administração pública ganha com a implantação desses sistemas?
LA – Em uma palavra: eficiência, em todos os sentidos. A modernização garante e controla a operação em qualquer atividade. Podemos usar o setor privado como exemplo. Qualquer empresa séria consegue medir a produtividade de seus colaboradores estabelecendo metas e mantendo um acompanhamento das tarefas. O setor público deveria seguir a mesma lógica, mas não o faz.
Os governos deveriam tratar o cidadão como cliente. Se cada processo tivesse sua produtividade medida por sistemas padronizados e fiscalizados, a administração pública ganharia em arrecadação, redução de despesas, mais qualidade na prestação de serviços, satisfação da população etc. A lista de ganhos é infinita.
AE – Como medir essa eficiência?
LA – Em primeiro lugar é necessário tirar a pessoalidade dos processos. Toda a gestão de metas e tarefas precisa ser padronizada para cada aplicação. No Brasil temos a figura do concurso público, o que é muito positivo e contribuiu para a impessoalidade da administração, mas precisamos evoluir. Hoje, por exemplo, é quase impossível um gestor público demitir um funcionário por ineficiência – nem tanto devido à legislação, mas simplesmente porque lhe faltam ferramentas para aferir essa ineficiência. A lógica também serve para o oposto: como reconhecer um funcionário exemplar se não há sistema padronizado que mostre isso? Se não temos processos claros, caímos no casuísmo e nos favores. A meritocracia na gestão pública precisa deixar de ser folclore.
AE – Qual a saída para melhorar essa realidade?
LA – Precisamos de uma reforma total do modelo de gestão atual. Cada vez que o governo é ineficiente, busca a arrecadação para compensar. É um círculo vicioso. Não adianta aumentar a arrecadação e continuar gastando errado. Há escolas que dispõem de lousas eletrônicas, mas não têm papel higiênico no banheiro ou a limpeza é deficiente, por exemplo. Colocaram lá a lousa eletrônica para atender a alguma demanda política, mas não há um sistema para gerenciar o básico. Há um conjunto de palavras que a tecnologia traz para a gestão pública: identificação, monitoramento, controle, mensuração, avaliação, metrificação e responsabilização.
AE – Em quais áreas a tecnologia pode auxiliar a gestão pública?
LA – Em todas as áreas. Literalmente em todos os serviços oferecidos ao cidadão. Vamos focar em duas das principais: saúde e educação. Na área da saúde não basta adotar o prontuário eletrônico: esse é um passo. Administrativamente, há como definir metas de tempo de atendimento, respeitando o que a Organização Mundial da Saúde entende como tempo ideal para uma consulta. Isso evita que um médico que trabalha seis horas atenda todo mundo em duas, como vemos em alguns casos. É possível também monitorar, via geolocalização, o tempo de permanência dos pacientes e dos funcionários; a gestão da farmácia, evitando erros e desvios; a frequência de limpeza etc.
Na educação, é possível monitorar e fiscalizar desde a conservação das escolas, como limpeza e serviços de manutenção de terceiros, até o acompanhamento da grade curricular pelos professores, sistematizando pontos a serem abordados em cada aula, e a efetividade do aprendizado, além de muitas outras possibilidades. Um sistema integrado e inteligente na educação poderia contribuir para uma melhor avaliação de todo o processo de aprendizado, sugerindo mudanças de acordo com cada aluno, escola ou região.
Imagine uma ferramenta que permita à família acompanhar a frequência do aluno, bem como sua avaliação e o conteúdo ministrado em sala de aula. Há diversos aspectos positivos para todos os envolvidos no processo, inclusive possibilitando que a família, quando possível, possa auxiliar o estudante em casa com base no conteúdo recebido na escola. Isso mudaria a perspectiva do ensino público.
AE– A modernização afeta só o controle do funcionalismo? O que mais muda?
LA – Não se trata apenas de saber a que horas o funcionário entra e sai, ou o que ele produziu durante o expediente. A modernização pode organizar e padronizar todos os serviços da administração. Pode, entre outras coisas, fiscalizar o serviço de terceirizados, o que hoje é um grande desafio para a gestão pública. Uma operação de tapa-buraco, por exemplo: hoje a administração paga por uma nota dizendo que foram tapados “x” buracos, mas sem saber se esse serviço foi efetivamente prestado e com qual nível de qualidade. A tecnologia pode mudar esse quadro. O sistema poderia padronizar que cada buraco tapado seria acompanhado de uma foto em tempo real do serviço prestado, com parâmetros a serem seguidos e acompanhamento por geolocalização. Se o buraco fosse aberto novamente, a administração teria como responsabilizar imediatamente o prestador do serviço.
AE – Muitos municípios e até estados estão quebrados. Como mudar esse paradigma com tantos problemas?
LA – Ao contrário do que muitos gestores pensam, implantar sistemas de gestão não custa muito. A tecnologia sem inteligência é cara, porque não garante a produtividade. Como disse antes, para que instalar um ponto biométrico se você não tem como garantir que esse funcionário estará lá para atender – e mais, fazendo um bom trabalho? A modernização precisa ser vista pelo poder público como investimento, e não como gasto.
Hoje, quando falta remédio num posto de saúde, os órgãos fiscalizadores apontam o dedo para o município e acusam: “você gasta com tecnologia, mas não compra remédio”, quando na verdade a tecnologia deveria garantir que não faltasse remédio no posto. É preciso inverter a lógica. Há centenas de municípios, inclusive clientes da Eicon, que conseguiram mais do que dobrar sua arrecadação usando a tecnologia. Então essa história de não ter dinheiro é uma meia verdade: o que falta é foco e vontade política de mudar.
AE – É possível ter esse nível de integração de sistemas no Brasil, onde os entes federativos – União, estados e municípios – têm realidades e níveis diferentes de informações?
LA – Perfeitamente possível. Não estou falando de ter um RG único: os sistemas não precisam ser iguais, só precisam ser compatíveis. O setor bancário, por exemplo, não usa um sistema comum. Cada banco usa o seu sistema, mas no fim do dia tudo cai no sistema de compensação. Então, é necessário apenas ter algum sistema que converse com todos.
AE – Há experiências parecidas no mundo? Você tem conhecimento?
LA – Nesse nível de conectividade que vislumbro, com tudo integrado, monitorado e sistematizado, não tenho conhecimento, mas há boas experiências em várias cidades. Em Treviso, na Itália, cada lata de lixo na rua possui um QR Code que obriga o coletor a registrar que retirou dali o lixo. Foi a forma que a cidade encontrou de reduzir o número de locais que não eram atendidos. Nos eventos sobre smart cities, sempre são relatados ótimos cases. Se aplicássemos todas as soluções tecnológicas de gestão disponíveis hoje em uma cidade, teríamos com certeza a visualização do conceito de “cidade inteligente”.
AE – Qual o próximo passo?
LA – Acredito que a evolução para uma administração pública inteligente vai pavimentar o caminho para, de fato, termos um governo colaborativo. A modernização chega para mudar o paradigma da gestão pública. Só por meio da tecnologia inteligente conseguimos garantir a operação em qualquer atividade, com monitoramento, cumprimento de indicadores, controle e responsabilização. Já passamos da cidade analógica para as cidades digitais; o próximo passo serão as cidades conectadas.